quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O pé na roça


Ainda me lembro bem dos contornos da casa antiga, dos dois quartos sem forros, quase inutilizados, derrotados pelas redes estendidas no alpendre, onde o cheiro da terra amaciada pelo sereno favorecia o sono. Éramos apenas três: eu e um grande amigo, além do pai dele, o proprietário da fazenda. “Daquele morro à frente até a onde sua vista enxergar”, respondeu certa vez quando indaguei o tamanho da terra. As palavras possuem um peso infinito na imaginação de uma criança. Não existem alqueires ou hectares capazes de mensurar toda a imensidão, toda a riqueza daquela frase.

Passei na fazenda pouco mais de dois meses. Todos os dias acordávamos com o sol e ajudávamos na ordenha. Depois tomávamos o café misturado com o leite ainda morno, denso e espumoso que retirávamos das vacas. Aprendemos a lidar com todas as tarefas diárias. Desde colocar o sal no cocho, até recolher o gado montados em cavalos. E assim o tempo passava.

Mesmo vivendo intensamente todo o ambiente, a cada final do dia eu era arrebatado por um desgosto incomum: não conseguia apanhar um carrapato. Observava o pai do meu amigo cansado do trabalho árduo na lavoura chegar em casa, tomar um banho e ritualmente pegar uma chave de fenda. Os dedos velozes procurando o parasita nas dobras das pernas para logo depois colocá-lo num toco próximo a porta e dar cabo do infeliz com um golpe certeiro.

Todos os dias o mesmo ritual, todos os dias a mesma decepção. O clima ficou insuportável quando, num determinado domingo, meu amigo, com um sorriso triunfal, aproximou-se do velho toco e num golpe firme e seco finalmente entrou para o mundo dos homens. Decidi que era tempo de retornar para a cidade. Antes, porém, fui convocado a auxiliar no reparo de uma das cercas da fazenda – talvez o trabalho mais pesado do período em que estive por lá. No final da manhã, executamos o serviço. Tomei um banho e entrei no carro de volta para a capital. Chegando em casa, uma coceira na perna chamou à atenção. Com precisão cirúrgica procurei e encontrei um pequeno carrapato atrás do joelho. Munido com uma capa de CD, coloquei o bicho em cima da escrivaninha e fiz meu próprio ritual de transição. Enfim, era um homem.

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