A Avenida Goiás nunca teve qualquer importância simbólica na minha vida, exceto talvez na infância, quando minha mãe mencionava que, vez ou outra, topava com o ator Stepan Nercessian recostado em um dos bancos do canteiro na hora da sesta. Apesar do meu desapego com a televisão, a figura pertencia de tal forma àquele cubo multicolorido que mal podia imaginá-la de chinelos, curtindo uma sombra no calor escaldante do cerrado.
Um compromisso de trabalho me levou de volta à avenida na última semana. Cheguei cedo demais e fui comprar alguns jornais para passar o tempo. Sentei num daqueles bancos do Stepan e li as notícias enquanto fumava e observava o trânsito caótico da hora do rush. Foi quando uma mulher na casa dos 40 anos, vestindo um agasalho e jeans gastos, sentou-se ao meu lado e, meio acanhada, me pediu um favor: ler nos classificados os anúncios de empregos.
Entreguei o caderno e fiquei olhando a movimentação do outro lado da rua. Uma rádio divulga todos os dias uma folha com o “banco de empregos”, e lá se forma uma pequena multidão em busca do pão de cada dia. Caneta na mão, os olhos atentos nas possibilidades de trabalho e logo era a vez do orelhão ficar apinhado de gente.
Foi quando notei a dificuldade com que aquela senhora que estava ao meu lado passava os olhos na página, ora aproximando a folha até quase tocar o nariz, ora mudando de posição, como se buscasse num novo ângulo o significado de determinada palavra. Percebi que ela não queria apenas os classificados emprestados, mas que eu realmente lesse os anúncios.
Meio sem jeito perguntei se poderia ajudar a achar uma oferta de emprego. Usei de toda diplomacia para pegar de volta o jornal e checar as vagas. Mas qual tipo de trabalho seria adequado? Não queria ofendê-la oferecendo algo que estivesse aquém de suas capacidades, mas a cena dela se esforçando para ler os anúncios tinha mexido comigo. Ainda cogitava a possibilidade de algum mal nos olhos, então sugeri um cargo de secretária. “Num sei muito das coisa, não...”, foi a resposta num tom humilde.
Ninguém está preparado para isso. Você simplesmente não espera cruzar na rua com alguém analfabeto e ter de lidar com a situação. Não a minha geração, que aproveitou a estabilidade econômica e o impulso educacional da década de 1990. Pode ser que ao tentar contratar alguém para um serviço simples, você espere topar com pessoas menos instruídas, mas não na rua, não pela manhã enquanto lê os desdobramentos do terremoto no Haiti.
Circulei algumas propostas que considerei interessantes e entreguei o jornal. Nos despedimos com sinceros votos de boa sorte. Enquanto senhora caminhava vacilante com os classificados nas mãos em direção ao telefone, tive a impressão que ela nunca teria um carro novo, uma casa, aparelhos eletrônicos da moda. A falta de perspectivas sempre foi o meu maior temor; e nunca aprendi a substituí-la pela fé.
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