sábado, 26 de março de 2011

O mato amigo

Ligo a televisão numa tarde qualquer e assisto a um desses programas de variedades. Na tela, um nutricionista participa de uma entrevista sobre alimentação saudável na infância. Terno alinhado, gravata impecável, o convidado aguarda paciente até o momento da pergunta chave: como agir quando as crianças se recusam a comer legumes? Uma ajeitada no cabelo e um pigarro depois e lá vem a resposta bombástica: "engane". Silêncio. O entrevistado toma frente diante do espanto da jornalista e assume o microfone. "Aproveite o interesse do seu filho pela comida calórica e disfarçe os legumes para que ele os aceite", continua com uma forte desenvoltura.

A imagem abre e uma mesa repleta de ingredientes é focalizada. "Quando ele pedir um gorduroso sanduíche, por exemplo, use a receita do hamburger de espinafre e jogue um queijinho por cima. Ele nem vai notar a diferença", instrui para milhares de mães enquanto faz uma cara de pouco caso com a trapaça. Eu recuo dois passos diante do horror. E a aula continua: "berinjela, rúcula e tomate podem tomar a aparência do mais suculento bife, se preparado da maneira correta".

Desligo a televisão e me preocupo com a próxima geração. A relação entre mãe e filho destroçada diante da primeira mordida em um falso bife de berinjela. A inocência perdida no fundo de uma tigela de mousse de abobrinha. E logo minha imaginação retorna para minha própria infância, quando os quitutes preparados pela minha mãe eram completamente confiáveis e a única ameaça vinha dos heróis da televisão. Ainda me recordo da decepção ao engolir de uma vez um punhado de espinafre e aguardar por frustrantes minutos qualquer movimento anormal nos meus bíceps. O único resultado foi o gosto amargo de capim na boca.

Nessa guerra particular, a propaganda era uma grande aliada nos confrontos com os inimigos. Todo o trabalho realizado por meus pais para alardear os benefícios de uma alimentação rica em fibras era desfeito pela primeira propaganda de iorgutes na televisão. Para uma criança, aquela enxurrada de vitaminas Bs, Cs e ABs tinham que conter todos os benefícios de um pedaço de mato - e com um plus: um sabor bem mais agradável.

Não, mães do meu Brasil. Não adianta trocar o vermelho vivo de um refrescante suco de morango pelo tom ameaçador das beterrabas - nenhuma criança cairá nesse ardiloso truque. Existem apenas duas maneiras de convencer os pimpolhos a dar algumas leves mordiscadas em toda essa sorte de legumes. A primeira é a mais eficaz: a compensação. Depois de encarar uma rúcula com vagem, a criançada adquire o cobiçado passaporte para sobremesa. A outra maneira é por meio de um diálogo franco e aberto, no qual serão pesados os prós e contras de uma dieta sem as vitaminas e nutrientes daquele arbusto na mesa de jantar. Algo como: "se não comer todas as verduras você vai acabar parecendo com a tia Dilma Rousseff", ou ainda "se você não comer os legumes vai jogar que nem o Ronaldo no Corinthians". Vai por mim, não ficará um verde no prato.

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