Os meus melhores contatos com o sexo feminino foram verbais. O toque sempre permaneceu adjacente, um complemento à suavidade das palavras. E a partir daí passei a valorizar cada entonação, a mera separação das sílabas e a pontuação. Os traquejos dos lábios na pronuncia de cada palavra, a vírgula impetuosa ou a explosão fonética.
Apesar da importância desses diálogos na minha vida, a maioria passa por um parto duro, empurrado pelo fórceps do álcool e pela inquisição promovida automaticamente graças aohábito da profissão. Os mais especiais, no entanto, são espontâneos, frutos ilegítimos da espera de elevadores ou das filas de repartição. Ainda assim, a mais profunda experiência nesses encontros verbais aconteceu na última semana, durante meus dias de trabalho em Brasília.
Assim que deixei o escritório acabei apanhado em um dos monstruosos congestionamentos da capital federal. Acendi um cigarro e ajeitei-me o melhor que pude para esperar o trânsito. Cerca de dois minutos depois, uma música forte, densa, entra pela janela do carro. Amaldiçoei o motorista com espírito para ouvir ópera em meio a um trânsito caótico – e ainda capaz de deixar o volume alto o suficiente para compartilhar a apresentação com os vizinhos de infortúnio.
A voz da soprano competia de igual para igual com as buzinas, os motores e a chuva que caía na via L2-Norte. Logo percebi que a acústica não era de uma gravação e que a interprete soltava a voz ali, em plena avenida. Não fui o único a notar que o espetáculo era ao vivo e logo todos os motoristas a minha frente procuravam entre a confusão de faróis e fumaça a responsável pela apresentação inusitada.
Identifiquei de qual veículo a voz saía, um carro esporte vermelho, mas a identidade da cantora era protegida por um vidro fumê. Ainda assim, durante todo o trajeto, fiquei acompanhando silhueta da nossa soprano – minha e de todos os motoristas presos na via L2-Norte naquela terça-feira chuvosa em Brasília. Os braços arqueados, impulsionando a voz poderosa, capaz de acalmar em um só tom as mãos nervosas nas buzinas, os pés pesados nos aceleradores e a fúria no peito de quem desejava chegar em casa e jantar com a família, encontrar a amante ou apenas alimentar os cachorros.
Não sei o que levou a soprano a cantar para todos nós, espectadores anônimos do trânsito de Brasília. Não sei o motivo, mas fico feliz que assim tenha feito. Naqueles minutos de espera, centenas de homens e mulheres foram unidos por uma melodia doce que lembrou a importância de em alguns momentos apenas saber ouvir. E fazer-se ouvir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário