As escadas rolantes são minha perdição, admito. Me perco em meio a pernas e braços, decotes que prometem mais do que entregam, ou não prometem, mas acabam entregando um pouco além do esperado. Não, senhoras e senhores, não fico a espreita de uma improvável brisa promissora enquanto vou à praça de alimentação, tampouco torço pelo tropeço inocente e revelador. Na maioria das vezes tudo simplesmente acontece, como uma chuva de verão.
Aprendi ainda na escola que o shopping foi criado como uma labirinto para ratos. Nada de relógios, janelas e com mínimas referências de localização. As escadas rolantes são o único local com um pouco de humanidade nessas gaiolas de consumo. Longe das vitrines, promoções imperdíveis ou anúncios publicitários modernos. Naquele momento de letargia a única paisagem é o rosto, o olhar do companheiro na contra-mão.
E, acredito, a maioria dos homens também percebe a importância do momento. O passo vacilante das nossas mulheres ao subir na escada, o olhar de contemplação enquanto aguarda os míseros segundos entre um andar e outro – e, finalmente, a mão que se apóia em nossos braços na hora de descer da geringonça, o cuidado com o salto do sapato, a elegância em tempos de provação.
Aprecio tudo isso com a curiosidade de um voyeur. Meço com cuidado as pernas brancas talhadas na academia, o aroma do perfume, o corte do vestido. E as frases perdidas – os fragmentos de diálogos sobre as contas a pagar, a doença do gato e as provas da universidade. Uma infinidade de assuntos discutíveis apenas naquela escada durante o caminho do cinema ou de um lanche rápido.
Talvez mais do que todos os decotes, braços e pernas, os semblantes e os olhares sejam os mais importante. Nenhuma insinuação é tão certeira quanto um olhar teimoso, ou um sorriso sorrateiro. Um daqueles momentos em que vale a pena voltar pelo caminho de onde veio, decifrar o labirinto, forçar outro encontro casual. Não, seria inútil. Há certos olhares e sorrisos que só são encontrados numa escada rolante em algum shopping da capital.
Um comentário:
genial este texto...com a profundidade do cotidiano nao percebido
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