quinta-feira, 31 de março de 2011
O pé rachado e a terra vermelha
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Passado: Antiga Igreja em frente à rodoviária |
Eu estava sentado no alpendre com um cigarro entre os dedos e observando o jardim. Minha avó regava pacientemente as plantas no meio da terra vermelha – dosando a água a ser despejada, analisando clinicamente as cores, retirando com cuidado a erva daninha entrincheirada entre a roseira e o pé de jabuticaba. Meu avô chegou manso pelas minhas costas. O canivete trabalhando hábil o fumo de rolo.
“Voltou?”, perguntei sabendo de antemão a resposta. “O médico não aconselha, mas velhos hábitos não acabam de uma hora para outra”, respondeu com pesar na voz. “Faz bem. Não se trabalha uma vida inteira para abdicar dos prazeres no fim da vida”, disse enquanto me entregava ao meu próprio vício. Não precisávamos de conversas profundas. O velho estava morrendo e eu acreditava piamente na inutilidade de conselhos vazios.
Ele sentou-se ao meu lado e repetiu as velhas piadas de minha infância. Afagou minhas memórias e depois foi embora, caminhando pelas ruas esburacadas. Foi quando lembrei do tempo em que, mais tarde, quando o sol estivesse a pico, eu e os primos sairíamos em seu encalço, levando nas mãos a marmita com o almoço. E, chegando na pequena rodoviária, ficaríamos vigiando a banca de frutas enquanto o avô comia.
Ainda antes de nos retirarmos para brincar, o velho fomentava em pequenas lições o nosso gosto pela labuta. Descascava laranjas e as ajeitava em sacos, entregando para cada um dos netos a sua cota de trabalho. E logo nos enfurnávamos nos ônibus e entre os passageiros que aguardavam nos bancos a sua vez de pegar a estrada. No final, o dinheiro era dividido junto com meia dúzia de conselhos – e então partíamos em disparada rumo à mercearia para adoçar o resto da tarde.
Naquele tempo as marcas em seu rosto ainda não eram tão acentuadas e nada era tão importante para os primos do que simplesmente ter tempo para sentar e comer na casa de meus avós. Não resta mais tanto tempo. Nem para nós, nem para eles. E nem mesmo o velório do velho, tanto anos depois, foi capaz de nos reunir mais uma vez em torno da velha mesa. Não há culpados, compreendo. Eu, que muitas outras vezes falhei na responsabilidade de mais velho, não tive nada a dizer.
Agora volto a observar o trabalho artesanal no jardim. A terra tingindo de rubro o calcanhar gasto de minha avó. As mãos trêmulas deitando fora os espinhos com a tesoura. O sol castigando a pele enrugada pelo tempo – o que me faz pensar no quanto ainda resta. Eu não era a melhor influência e sabia disso. Não tinha a prudência na palavra e tampouco acreditava em mudanças de última hora. É fácil optar por esse caminho quando ainda se tem a vida pela frente, outra coisa é seguir por essa trilha quando só lhe restam um bocado memórias.
“Voltou?”, perguntei sabendo de antemão a resposta. “O médico não aconselha, mas velhos hábitos não acabam de uma hora para outra”, respondeu com pesar na voz. “Faz bem. Não se trabalha uma vida inteira para abdicar dos prazeres no fim da vida”, disse enquanto me entregava ao meu próprio vício. Não precisávamos de conversas profundas. O velho estava morrendo e eu acreditava piamente na inutilidade de conselhos vazios.
Ele sentou-se ao meu lado e repetiu as velhas piadas de minha infância. Afagou minhas memórias e depois foi embora, caminhando pelas ruas esburacadas. Foi quando lembrei do tempo em que, mais tarde, quando o sol estivesse a pico, eu e os primos sairíamos em seu encalço, levando nas mãos a marmita com o almoço. E, chegando na pequena rodoviária, ficaríamos vigiando a banca de frutas enquanto o avô comia.
Ainda antes de nos retirarmos para brincar, o velho fomentava em pequenas lições o nosso gosto pela labuta. Descascava laranjas e as ajeitava em sacos, entregando para cada um dos netos a sua cota de trabalho. E logo nos enfurnávamos nos ônibus e entre os passageiros que aguardavam nos bancos a sua vez de pegar a estrada. No final, o dinheiro era dividido junto com meia dúzia de conselhos – e então partíamos em disparada rumo à mercearia para adoçar o resto da tarde.
Naquele tempo as marcas em seu rosto ainda não eram tão acentuadas e nada era tão importante para os primos do que simplesmente ter tempo para sentar e comer na casa de meus avós. Não resta mais tanto tempo. Nem para nós, nem para eles. E nem mesmo o velório do velho, tanto anos depois, foi capaz de nos reunir mais uma vez em torno da velha mesa. Não há culpados, compreendo. Eu, que muitas outras vezes falhei na responsabilidade de mais velho, não tive nada a dizer.
Agora volto a observar o trabalho artesanal no jardim. A terra tingindo de rubro o calcanhar gasto de minha avó. As mãos trêmulas deitando fora os espinhos com a tesoura. O sol castigando a pele enrugada pelo tempo – o que me faz pensar no quanto ainda resta. Eu não era a melhor influência e sabia disso. Não tinha a prudência na palavra e tampouco acreditava em mudanças de última hora. É fácil optar por esse caminho quando ainda se tem a vida pela frente, outra coisa é seguir por essa trilha quando só lhe restam um bocado memórias.
Luzine, Luzine
Todas as noites o mesmo percurso. Todas as semanas uma nova armadilha. Dirijo tranqüilamente pela Explanada dos Ministérios e logo após entrar em um dos incontáveis viadutos da capital federal chego ao ponto de emboscada: dúzias de outdoors com modelos extraindo em poses instantâneas o mais sacana dos sorrisos.
O impacto é brutal. Basta olhar para o lado e notar os homens atônitos e as mulheres em desespero. No meio de tamanho furor sexista, me pergunto apenas como estará o marido, namorado ou amante da modelo ao notar que a mulher com quem divide a cama é, para o resto da cidade, um objeto de desejo de dez metros de altura.
"É apenas um anúncio", lamento engrenando a primeira. "É apenas um anúncio", defendem-se as outras dezenas de motoristas para as namoradas neuróticas. "É apenas um anúncio", argumenta uma das protagonistas para um companheiro menos compreensível. "Não faz sentido preocupar-se com uma propaganda" - concordamos solidários inconscientemente. "Ou não", reflito de segunda.
Penso nisso enquanto observo todos os motoristas disparando pela pista, de volta para a velha função de provedores. Para o apartamento alugado, para a sessão da Tela Quente e para a comida congelada. Não, o outdoor é uma porta de saída do nosso mundo medíocre para algo maior. Para aventuras românticas em Paris, para a paquera ardente na academia, para a surpreendente lingerie da vizinha recatada.
Pouco importa que seja publicidade, que esse paraíso fotográfico esteja atrelado a compra de uma calça de duzentos reais, ou em refrigerantes de baixo teor calórico. Nós queremos mesmo é a deusa sorridente e convidativa do comercial. E se o preço dessa proximidade fajuta for um perfume de trezentos contos, não falta quem passe o cheque. Eu sei, a modelo sabe e até mesmo o seu marido, namorado ou amante tem conhecimento.
O que mantém a sanidade dessas relações é que sem o jogo de luz dos expositores, toda magia vira o mais chocho fogo de palha. Estivesse a referida modelo tomando ki-suco, de sandália de tira, no boteco do Carlão, a imensa maioria dos homens boquiabertos no sinal não dariam a mínima. É demasiado terreno para nossas fantasias sexuais. Não valeria o suor depositado no carnê das Casas Bahia.
O marido, namorado ou amante da modelo sabe disso. Assim como tantos, ele nota o burburinho diante da sua amada ampliada cinco, dez vezes. Ele desfruta da ambigüidade do ciúme e do orgulho da própria masculinidade. E, no fundo, ele rumina o único segredo que o distingue dos tantos outros homens naquele momento. Ele sabe que, no fundo, a modelo tem frieira no pé.
O impacto é brutal. Basta olhar para o lado e notar os homens atônitos e as mulheres em desespero. No meio de tamanho furor sexista, me pergunto apenas como estará o marido, namorado ou amante da modelo ao notar que a mulher com quem divide a cama é, para o resto da cidade, um objeto de desejo de dez metros de altura.
"É apenas um anúncio", lamento engrenando a primeira. "É apenas um anúncio", defendem-se as outras dezenas de motoristas para as namoradas neuróticas. "É apenas um anúncio", argumenta uma das protagonistas para um companheiro menos compreensível. "Não faz sentido preocupar-se com uma propaganda" - concordamos solidários inconscientemente. "Ou não", reflito de segunda.
Penso nisso enquanto observo todos os motoristas disparando pela pista, de volta para a velha função de provedores. Para o apartamento alugado, para a sessão da Tela Quente e para a comida congelada. Não, o outdoor é uma porta de saída do nosso mundo medíocre para algo maior. Para aventuras românticas em Paris, para a paquera ardente na academia, para a surpreendente lingerie da vizinha recatada.
Pouco importa que seja publicidade, que esse paraíso fotográfico esteja atrelado a compra de uma calça de duzentos reais, ou em refrigerantes de baixo teor calórico. Nós queremos mesmo é a deusa sorridente e convidativa do comercial. E se o preço dessa proximidade fajuta for um perfume de trezentos contos, não falta quem passe o cheque. Eu sei, a modelo sabe e até mesmo o seu marido, namorado ou amante tem conhecimento.
O que mantém a sanidade dessas relações é que sem o jogo de luz dos expositores, toda magia vira o mais chocho fogo de palha. Estivesse a referida modelo tomando ki-suco, de sandália de tira, no boteco do Carlão, a imensa maioria dos homens boquiabertos no sinal não dariam a mínima. É demasiado terreno para nossas fantasias sexuais. Não valeria o suor depositado no carnê das Casas Bahia.
O marido, namorado ou amante da modelo sabe disso. Assim como tantos, ele nota o burburinho diante da sua amada ampliada cinco, dez vezes. Ele desfruta da ambigüidade do ciúme e do orgulho da própria masculinidade. E, no fundo, ele rumina o único segredo que o distingue dos tantos outros homens naquele momento. Ele sabe que, no fundo, a modelo tem frieira no pé.
segunda-feira, 28 de março de 2011
Entre pontos
As escadas rolantes são minha perdição, admito. Me perco em meio a pernas e braços, decotes que prometem mais do que entregam, ou não prometem, mas acabam entregando um pouco além do esperado. Não, senhoras e senhores, não fico a espreita de uma improvável brisa promissora enquanto vou à praça de alimentação, tampouco torço pelo tropeço inocente e revelador. Na maioria das vezes tudo simplesmente acontece, como uma chuva de verão.
Aprendi ainda na escola que o shopping foi criado como uma labirinto para ratos. Nada de relógios, janelas e com mínimas referências de localização. As escadas rolantes são o único local com um pouco de humanidade nessas gaiolas de consumo. Longe das vitrines, promoções imperdíveis ou anúncios publicitários modernos. Naquele momento de letargia a única paisagem é o rosto, o olhar do companheiro na contra-mão.
E, acredito, a maioria dos homens também percebe a importância do momento. O passo vacilante das nossas mulheres ao subir na escada, o olhar de contemplação enquanto aguarda os míseros segundos entre um andar e outro – e, finalmente, a mão que se apóia em nossos braços na hora de descer da geringonça, o cuidado com o salto do sapato, a elegância em tempos de provação.
Aprecio tudo isso com a curiosidade de um voyeur. Meço com cuidado as pernas brancas talhadas na academia, o aroma do perfume, o corte do vestido. E as frases perdidas – os fragmentos de diálogos sobre as contas a pagar, a doença do gato e as provas da universidade. Uma infinidade de assuntos discutíveis apenas naquela escada durante o caminho do cinema ou de um lanche rápido.
Talvez mais do que todos os decotes, braços e pernas, os semblantes e os olhares sejam os mais importante. Nenhuma insinuação é tão certeira quanto um olhar teimoso, ou um sorriso sorrateiro. Um daqueles momentos em que vale a pena voltar pelo caminho de onde veio, decifrar o labirinto, forçar outro encontro casual. Não, seria inútil. Há certos olhares e sorrisos que só são encontrados numa escada rolante em algum shopping da capital.
Arte natureba
A arte transita entre a mensagem e a composição. Uma orgia de informações e beleza. Não estou entre os adeptos do pensamento artístico. Acredito que a obra deva ser um soco no estômago – ou o inverso, um breve fôlego de ar em meio ao mar de conformismo.
A EcoArt organiza vários eventos e exposições sobre a intervenção humana no meio ambiente e a preocupação com o futuro da humanidade (uma vertente artística dos ecochatos), como o atual “Pure Water Vision”. Uma coleção dos dez finalistas do Acea Ecoart 2010. Posso até não ser o maior fã da causa, mas, admito, é lindo.
sábado, 26 de março de 2011
A voz da soprano
Os meus melhores contatos com o sexo feminino foram verbais. O toque sempre permaneceu adjacente, um complemento à suavidade das palavras. E a partir daí passei a valorizar cada entonação, a mera separação das sílabas e a pontuação. Os traquejos dos lábios na pronuncia de cada palavra, a vírgula impetuosa ou a explosão fonética.
Apesar da importância desses diálogos na minha vida, a maioria passa por um parto duro, empurrado pelo fórceps do álcool e pela inquisição promovida automaticamente graças aohábito da profissão. Os mais especiais, no entanto, são espontâneos, frutos ilegítimos da espera de elevadores ou das filas de repartição. Ainda assim, a mais profunda experiência nesses encontros verbais aconteceu na última semana, durante meus dias de trabalho em Brasília.
Assim que deixei o escritório acabei apanhado em um dos monstruosos congestionamentos da capital federal. Acendi um cigarro e ajeitei-me o melhor que pude para esperar o trânsito. Cerca de dois minutos depois, uma música forte, densa, entra pela janela do carro. Amaldiçoei o motorista com espírito para ouvir ópera em meio a um trânsito caótico – e ainda capaz de deixar o volume alto o suficiente para compartilhar a apresentação com os vizinhos de infortúnio.
A voz da soprano competia de igual para igual com as buzinas, os motores e a chuva que caía na via L2-Norte. Logo percebi que a acústica não era de uma gravação e que a interprete soltava a voz ali, em plena avenida. Não fui o único a notar que o espetáculo era ao vivo e logo todos os motoristas a minha frente procuravam entre a confusão de faróis e fumaça a responsável pela apresentação inusitada.
Identifiquei de qual veículo a voz saía, um carro esporte vermelho, mas a identidade da cantora era protegida por um vidro fumê. Ainda assim, durante todo o trajeto, fiquei acompanhando silhueta da nossa soprano – minha e de todos os motoristas presos na via L2-Norte naquela terça-feira chuvosa em Brasília. Os braços arqueados, impulsionando a voz poderosa, capaz de acalmar em um só tom as mãos nervosas nas buzinas, os pés pesados nos aceleradores e a fúria no peito de quem desejava chegar em casa e jantar com a família, encontrar a amante ou apenas alimentar os cachorros.
Não sei o que levou a soprano a cantar para todos nós, espectadores anônimos do trânsito de Brasília. Não sei o motivo, mas fico feliz que assim tenha feito. Naqueles minutos de espera, centenas de homens e mulheres foram unidos por uma melodia doce que lembrou a importância de em alguns momentos apenas saber ouvir. E fazer-se ouvir.
O mato amigo
Ligo a televisão numa tarde qualquer e assisto a um desses programas de variedades. Na tela, um nutricionista participa de uma entrevista sobre alimentação saudável na infância. Terno alinhado, gravata impecável, o convidado aguarda paciente até o momento da pergunta chave: como agir quando as crianças se recusam a comer legumes? Uma ajeitada no cabelo e um pigarro depois e lá vem a resposta bombástica: "engane". Silêncio. O entrevistado toma frente diante do espanto da jornalista e assume o microfone. "Aproveite o interesse do seu filho pela comida calórica e disfarçe os legumes para que ele os aceite", continua com uma forte desenvoltura.
A imagem abre e uma mesa repleta de ingredientes é focalizada. "Quando ele pedir um gorduroso sanduíche, por exemplo, use a receita do hamburger de espinafre e jogue um queijinho por cima. Ele nem vai notar a diferença", instrui para milhares de mães enquanto faz uma cara de pouco caso com a trapaça. Eu recuo dois passos diante do horror. E a aula continua: "berinjela, rúcula e tomate podem tomar a aparência do mais suculento bife, se preparado da maneira correta".
Desligo a televisão e me preocupo com a próxima geração. A relação entre mãe e filho destroçada diante da primeira mordida em um falso bife de berinjela. A inocência perdida no fundo de uma tigela de mousse de abobrinha. E logo minha imaginação retorna para minha própria infância, quando os quitutes preparados pela minha mãe eram completamente confiáveis e a única ameaça vinha dos heróis da televisão. Ainda me recordo da decepção ao engolir de uma vez um punhado de espinafre e aguardar por frustrantes minutos qualquer movimento anormal nos meus bíceps. O único resultado foi o gosto amargo de capim na boca.
Nessa guerra particular, a propaganda era uma grande aliada nos confrontos com os inimigos. Todo o trabalho realizado por meus pais para alardear os benefícios de uma alimentação rica em fibras era desfeito pela primeira propaganda de iorgutes na televisão. Para uma criança, aquela enxurrada de vitaminas Bs, Cs e ABs tinham que conter todos os benefícios de um pedaço de mato - e com um plus: um sabor bem mais agradável.
Não, mães do meu Brasil. Não adianta trocar o vermelho vivo de um refrescante suco de morango pelo tom ameaçador das beterrabas - nenhuma criança cairá nesse ardiloso truque. Existem apenas duas maneiras de convencer os pimpolhos a dar algumas leves mordiscadas em toda essa sorte de legumes. A primeira é a mais eficaz: a compensação. Depois de encarar uma rúcula com vagem, a criançada adquire o cobiçado passaporte para sobremesa. A outra maneira é por meio de um diálogo franco e aberto, no qual serão pesados os prós e contras de uma dieta sem as vitaminas e nutrientes daquele arbusto na mesa de jantar. Algo como: "se não comer todas as verduras você vai acabar parecendo com a tia Dilma Rousseff", ou ainda "se você não comer os legumes vai jogar que nem o Ronaldo no Corinthians". Vai por mim, não ficará um verde no prato.
A imagem abre e uma mesa repleta de ingredientes é focalizada. "Quando ele pedir um gorduroso sanduíche, por exemplo, use a receita do hamburger de espinafre e jogue um queijinho por cima. Ele nem vai notar a diferença", instrui para milhares de mães enquanto faz uma cara de pouco caso com a trapaça. Eu recuo dois passos diante do horror. E a aula continua: "berinjela, rúcula e tomate podem tomar a aparência do mais suculento bife, se preparado da maneira correta".
Desligo a televisão e me preocupo com a próxima geração. A relação entre mãe e filho destroçada diante da primeira mordida em um falso bife de berinjela. A inocência perdida no fundo de uma tigela de mousse de abobrinha. E logo minha imaginação retorna para minha própria infância, quando os quitutes preparados pela minha mãe eram completamente confiáveis e a única ameaça vinha dos heróis da televisão. Ainda me recordo da decepção ao engolir de uma vez um punhado de espinafre e aguardar por frustrantes minutos qualquer movimento anormal nos meus bíceps. O único resultado foi o gosto amargo de capim na boca.
Nessa guerra particular, a propaganda era uma grande aliada nos confrontos com os inimigos. Todo o trabalho realizado por meus pais para alardear os benefícios de uma alimentação rica em fibras era desfeito pela primeira propaganda de iorgutes na televisão. Para uma criança, aquela enxurrada de vitaminas Bs, Cs e ABs tinham que conter todos os benefícios de um pedaço de mato - e com um plus: um sabor bem mais agradável.
Não, mães do meu Brasil. Não adianta trocar o vermelho vivo de um refrescante suco de morango pelo tom ameaçador das beterrabas - nenhuma criança cairá nesse ardiloso truque. Existem apenas duas maneiras de convencer os pimpolhos a dar algumas leves mordiscadas em toda essa sorte de legumes. A primeira é a mais eficaz: a compensação. Depois de encarar uma rúcula com vagem, a criançada adquire o cobiçado passaporte para sobremesa. A outra maneira é por meio de um diálogo franco e aberto, no qual serão pesados os prós e contras de uma dieta sem as vitaminas e nutrientes daquele arbusto na mesa de jantar. Algo como: "se não comer todas as verduras você vai acabar parecendo com a tia Dilma Rousseff", ou ainda "se você não comer os legumes vai jogar que nem o Ronaldo no Corinthians". Vai por mim, não ficará um verde no prato.
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