quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Os fios rudes

A vantagem de trabalhar viajando constantemente é o tempo disponível para tirar um cochilo entre uma parada e outra. O desconforto, o sacolejo incessante provocado pela estrada cheia de buracos e as constantes cabeçadas no vidro da janela – e o conseqüente torcicolo de cada dia – não são nada comparados ao solitário prazer de puxar uma palha no meio da tarde. No meu caso, valorizo ainda mais esses momentos de ócio porque consigo, de certa forma, conduzir meus pensamentos nesse estado de torpor. Uma espécie de sonho lúcido.

A ideia é ridícula, mas é a mais pura verdade. Basta sentar no banco e me aconchegar para enfrentar 500 km de estrada e me entrego inteiramente ao sono. As imagens começam a surgir logo depois. Na última viagem, por exemplo, enquanto meus companheiros deliciavam-se com as tonalidades do meu ronco, me vi em algum lugar campestre, uma casa aconchegante – e uma filha. O enredo não interessa, mas a sensação de caminhar ao lado daquela criança é indescritível.

Não foi o meu primeiro encontro com a menina, minha filha. Nos vimos em outros lugares, algumas vezes urbanos, caóticos, paradisíacos; mas sempre acompanhados, nutrindo uma sensação de confiança mútua. Muitas vezes desejei não acordar. Não queria abandoná-la em algum ponto da minha mente, desamparada. Acordar significa, acima de qualquer coisa, que ela deixa de existir. Talvez tudo isso seja um pouco de carência, eu sei. No final, sempre acreditei que o único amor incondicional é o paternal.

Uma coisa que sempre chama minha atenção nos meus sonhos é que a minha filha gosta da minha barba. Quando a seguro em meus braços, a sua mãozinha sempre procura os fios emaranhados e rudes no meu rosto. A mesma mania que tenho quando estou sozinho: acariciar a barba. Certa vez uma mulher me flagrou fazendo isso e disse que era sinal de carência – não a contestei. Ela não era próxima, tampouco tinha minha simpatia, mas aquela senhora fez algo que nunca vou esquecer. Ela me puxou pelos braços e me deu um abraço de uns cinco minutos. E em contato com aquele corpo tão desprezado, nunca fui tão querido.

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