O poeta Bruno Tolentino disse certa vez que só entraria em uma universidade brasileira fantasiado de cachorro. Um notório exagero, visto que o instinto animal o privaria de viver em ambiente tão insalubre. A academia deixou de ser o lugar para a disseminação de conhecimento e debate para tornar-se palanque de panfletagem barata. O rigor científico foi substituído pelo senso comum e a fé num humanismo redentor. O resultado dessa mistura de absurdos não é registrado apenas pelos números pífios do Enade, no qual 33% das universidades ficaram abaixo da média, mas principalmente nos danos causados aos estudantes nas salas de aula.
Por esse motivo parto do individual para o todo. Eu curso Direito numa grande universidade privada. Na última aula de Ciências Políticas a professora bradou para cerca de 60 alunos: “A Igreja Católica matou milhares durante a Santa Inquisição”. Ponto. Fontes? Documentação? Nada além de preconceito contra a religião embasado na autoridade moral do esquerdismo capenga. Iniciei o debate em linhas gerais para logo em seguida ser cortado: “Você precisa estudar mais”. Uma doce ironia no seio universitário.
Não é espantoso que uma professora de uma grande instituição de ensino superior desconheça a obra de Agostino Borromeo, um relatório de 800 páginas que inclui todas as atas oficiais do simpósio internacional realizado em 1998 pela comissão teológico-histórica do Comitê do Jubileu, constatando que os tribunais eclesiásticos foram muito mais indulgentes do que seus colegas civis. Na verdade, é bem natural, afinal, ele destrói mitos propagados nos últimos anos por militantes anticatólicos. Segundo o levantamento, dos 125 mil processos, a Inquisição espanhola condenou à morte 59 bruxas. Na Itália foram 36 e em Portugal, 4. Nos tribunais civis, o número chegou a 50 mil pessoas condenadas à fogueira em um total de 100 mil processos realizados durante a Idade Média na Europa.
Mesmo que fosse apenas uma condenação, seria execrável. Mas a realidade por trás do politicamente correto é que a história da humanidade é baseada em derramamento de sangue e em vários momentos as religiões foram responsáveis pelas mortes, bem como os progressistas. Existe apologia à violência tanto na Bíblia quanto no Corão, guias da maioria da população mundial. O mesmo ocorria antes da ascensão do monoteísmo. Homossexuais e adúlteras eram apedrejados até a morte, enquanto criminosos eram mutilados – e essas práticas permanecem em execução até hoje no Oriente Médio. Enquanto isso, países como a China aplicam a pena de morte indiscriminadamente, chegando a cobrar dos familiares a bala usada para despachar o falecido. Em Cuba, a diversidade sexual é punida pelos comunistas com prisões e mortes. Enfim, são muitos os exemplos de barbárie em pleno século XXI.
A visão humanista acadêmica trata o número de mortes na Idade Média como o retrato da obscuridade do período, sem atentar que é uma constante na história. A época imediatamente posterior também padeceu de violência inominável e é tomada como exemplo de superação dos mitos “nefastos” impostos pela religião. O Iluminismo se diferenciava em pouco da crueldade aplicada pela Inquisição. A principal é que os acusados nos tribunais religiosos tinham o direito de defesa preservado (inclusive, o período é o berço de muitos dos direitos garantidos aos criminosos atuais). Na França e em outros países banhados pela revolução intelectual promovida por Rousseau e seus amigos, os nobres eram simplesmente decapitados e pronto: um novo período de glória se iniciava.
A academia acredita que ignorando a religião o conhecimento virá naturalmente pelo método científico. O que escapa aos professores, como a senhora que citei acima, foi bem exemplificado pelo filósofo britânico John Gray, no livro "Cachorros de Palha" (Record, 255 pág.): é preciso colocar à prova nossa crença no humanismo, assim como também colocamos a religião. Acima de tudo, é necessário entender o processo histórico sem preconceitos. Retirando a paixão do debate, a Idade Média ofereceu muito mais à humanidade do que corpos carbonizados. Isso nós conseguimos hoje, mesmo com todo o progressismo das universidades.
Diogo Luz é jornalista.
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